domingo, 31 de agosto de 2014

Sobre ter morrido mais cedo.

“ABRE A PORRA DESSA PORTA AGORA!” E é nessa hora que eu tive dez segundos para decidir entre abrir ou não. Eu sabia que se abrisse uma chuva de socos seriam despejados em mim. Será que a dor física é tão forte quanto a emocional que me triturava? Um... nunca apanhei. Dois, três... deve doer. Quatro, cinco, seis... abro ou não? Sete, oit.. FODA-SE. E abri. Se abri por um surto de coragem ou loucura, não sei, sei que duas mãos me jogaram da escada. Rolei tentando proteger a cabeça. Engraçado como mesmo na merda, os animais preservam pela própria vida. Um Mississipi, dois Mississipis... ME DEIXA LEVANTAR, PORRA! uma mão me agarrou pelos cabelos e me arrastou até outra figura postada no centro da cozinha.
Pede desculpas
Não
Socos, tapas, tapas, puxões de cabelo. É CARNE! É tudo carne. Carne se chocando contra carne. Barulho de carne. Apenas carne. Não dói, não há dor, só carne. QUE DESCOBERTA! É CARNE! É CERNE!
Pede desculpas
E dessa vez, mais coragem: pode me bater, não vou pedir desculpas.
E encaro a figura estática. Meus olhos secos refletindo exatamente a minha alma, minha cabeça erguida por uma mão a sustentá-la pelos cabelos. A mulher processa o que acontece, digere, pensa. Ela não acredita no show particular que presencia. A outra descontrolada, insana, aproveita-se da minha passividade e continua a me esbofetear. Ela não me importa, é a telespectadora que me cativa. O que você vai fazer? Meus olhos a desafiam a demonstrar reação. Talvez vermelhos, talvez inundados de uma coragem poéticas falsa, mas a bosta do mundo é falso, então que saúdam a falsidade, senhoras e senhores!
A figura me surpreende, ela avança, ela grita, ela chora, ela implora, implora para que a louca cesse a sessão de carne. As duas se chocam; eu sou libertada. Apenas observo, passível, entediada. Quando você não é mais algo inteiro, você já não sente a dor, não sente ser estraçalhada quando já se tornou em vários fragmentos. É como um vidro quebrado: um murro não faz diferença. Morrer é uma ideia louca, tão louca que se torna genial. O mundo é uma merda de uma loucura, uma merda de escuridão onde todos gritam e ninguém se ouve, onde todos clamam e se ignoram, onde sangrar é a coisa mais verdade que você pode sentir. A subjetividade e a imaterialidade são fantasias para não estarmos sozinhos. Meu medo se esvai e as vejo se atracando ainda. Por fim, a figura abre a porta e pede para que eu saia por um tempinho. Encontro na beirada um infinito acolhedor, uma altura sucinta que faz meus pés perderem o calor pelo... medo? Não sinto mais medo. O que sinto então? Orgulho? Sim, orgulho. Mesmo na miséria, meus olhos demoníacos não se amedrontaram, não oscilaram, permaneceram firmes, estáveis. E a instabilidade me cercou. Posso pular, entregar-me a morte ou a paralisia. Descansaria um pouco do mundo, em ambos os casos, descansaria como verme.
Posso pular, pode ser legal.
e pul

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